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03/04/2020Diversas medidas de combate ao avanço do coronavírus foram adotadas para restringir a circulação de pessoas, como a recomendação de reclusão em ambiente domiciliar. O objetivo é evitar contato social a fim de conter a pandemia em seu momento mais crítico. Todas essas medidas provocam o aumento do número de pessoas em suas casas, o que sem dúvida traz consequências nas relações entre os moradores nos condomínios em edificações.
No entanto, se o confinamento é usado como forma de conter o avanço do vírus, a medida traz um impacto social e psicológico negativo. A reclusão interrompe a rotina diária das pessoas, com redução da atividade física e do bem-estar, causando irritação e alteração de humor. Se a reclusão for prolongada, acarretará problemas como estresse pós-traumático, angústia e insônia. O confinamento gera um sentimento de incerteza, de tédio e de solidão, que é agravado na proporção de sua duração, ensejando repercussões negativas na saúde mental.
Neste texto discutiremos a realização de obras envolvendo os condomínios, que podem ser de três tipos: as realizadas dentro das unidades privativas de cada condômino; aquelas executadas em áreas de propriedade comuns; ou mesmo as obras feitas em prédios vizinhos, mas que podem direta ou indiretamente afetar o condomínio.
Todas as obras realizadas em condomínios edifícios devem obedecer às recomendações da ABNT, que solicita a apreciação de projeto técnico a profissional de engenharia ou arquitetura. Ainda nos condomínios, quer a obra seja realizada dentro das partes privativas ou nas partes comuns, devem ser respeitados o regulamento interno e a convenção. Em adição às questões acima, o Código Civil ainda traz deveres gerais para o condômino quanto à realização de obras, quer dentro do condomínio ou em prédios vizinhos, que devem obedecer aos três “s”. O síndico também deve zelar pelas partes comuns e obter quóruns para a realização de obras de interesse do condomínio. Também não devemos desconsiderar os direitos de vizinhança, que se aplicam não apenas entre os prédios vizinhos, sendo válidos de forma complementar ao regramento interno dos condomínios. Veremos cada um desses itens a seguir.
NBR 16.280/2015
A Norma de Reformas da ABNT estabelece as etapas de obras de reformas e os requisitos para as obras em uma unidade privativa ou no próprio condomínio em edificações. O Conselho de Arquitetura e Urbanismo nos recomenda que toda obra de imóvel que altere ou comprometa a segurança da edificação ou de seu entorno precisa ser submetida à análise da construtora/incorporadora e do projetista, dentro do prazo da garantia. Após este prazo, exige laudo técnico assinado por engenheiro ou arquiteto e urbanista e autorização expressa do proprietário. A norma afasta definitivamente o chamado “faz-tudo”, protege os condôminos dos não-habilitados legalmente ao exercício profissional e privilegia a boa técnica.
O síndico tem, por força de sua função, com base no art. 1.348 do C.C., a obrigação de “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns” do condomínio. Nesta linha de raciocínio, mesmo que o síndico não esteja obrigado legalmente a cumprir as determinações da norma 16.280/2014, será responsabilizado posteriormente em caso de algum evento grave, se não tiver adotado a cautela necessária para evitá-lo.
O síndico pode entender, baseado no projeto do engenheiro ou arquiteto, que a obra colocará em risco a edificação. Neste caso deverá proibir a reforma, pois o interesse da comunidade condominial está acima do interesse particular de qualquer condômino. A ABNT não é lei, portanto seu cumprimento não é obrigatório, mas tem sido reconhecida e prestigiada pelos Tribunais.
A norma apresenta diversos procedimentos a serem adotados, antes, durante e após o término da obra, sejam por parte do condômino, como do condomínio, garantindo maior segurança a todos os envolvidos, visto que dentre suas exigências deverá existir um acompanhamento profissional, com responsabilidade pelo serviço, evitando assim demolições, abertura de vãos, remoção de banheiros, dentre outros que podem afetar totalmente o condomínio.
Realização de obras em unidade privativa
A propriedade é um direito e uma garantia consagrada na Constituição da República (CRFB art. º 5, inc. XXII e XXIII). A propriedade deve ser exercida segundo a sua função social, voltada mais aos interesses gerais da coletividade do que aos interesses particulares. O direito de propriedade confere ao seu titular diversos poderes, como os direitos de uso e fruição (art. 1.228 do C.C.).
Importante ressaltar que o uso e gozo do imóvel pelo proprietário está sujeito a diversas regras e restrições. O exercício deste direito deve se dar em consonância com as finalidades econômicas e sociais (art. 1.228, § 1º), sendo ilícito o uso anormal da propriedade, caracterizado quando há o manifesto excesso dos limites impostos pelos bons costumes e regras de sociedade.
O condômino pode usar, fruir e livremente dispor de sua propriedade exclusiva dentro do condomínio especial em edificações (C.C. art. 1.335 inc. I), bem como usar das partes comuns, conforme a sua destinação, respeitando o direito dos demais moradores (C.C. artigo 1.335 inc. II).
Por certo que esta utilização não é ilimitada, nem irresponsável. O condômino tem diversos deveres, como os previstos no art. 1.336 do Código Civil. Deve dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, nem pode as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes (inc. IV). A realização de obras não pode comprometer a segurança da edificação (inc. II), nem pode alterar a forma e a cor da fachada do prédio, ou suas esquadrias externas (inc. III).
Realização de obras em prédios vizinhos
Os direitos de vizinhança existem para harmonizar o uso da propriedade entre prédios vizinhos, estabelecendo determinadas restrições, em prol da salutar coexistência social pacífica. Servem para evitar o exercício do direito de propriedade de maneira absoluta e ilimitada, conformando em face da coletividade.
O proprietário ou o possuidor de um prédio pode usar fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização anormal da propriedade vizinha, segundo a redação do artigo 1.277. O parágrafo único do artigo proíbe as interferências entre os prédios, mas leva em consideração diversos critérios, como os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Consideramos que o limite ordinário de tolerância se encontra deveras abalado em uma situação como a atual, em que há reclusão, pânico, aumento de estresse e medo. Por certo o momento é de convivência especial em condomínios, que requer maior cautela nas ações individuais que possam gerar repercussões coletivas.
Realização de obras em áreas comuns
A realização de obras pelo condomínio em áreas comuns também deve respeitar os pressupostos de segurança, saúde e sossego dos demais condôminos. O síndico deve obedecer aos quóruns previstos em lei para a realização das obras nas partes comuns. As obras são de natureza voluptuária, útil e necessária.
Por voluptuárias temos como exemplo as reformas de embelezamento das fachadas e as reformas internas das cabines de elevadores. São úteis as obras que aumentam ou facilitam o uso da coisa, como a instalação de sistema de segurança, colocação de grades no condomínio e ampliação da sala de ginástica. As obras necessárias são as que objetivam conservar ou impedir sua deterioração, como a impermeabilização de um local com vazamento, reparos elétricos ou manutenção da fachada. Dispõe o artigo 1.341 do Código Civil que a realização de obras no condomínio depende: “I – se voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos; II – se úteis, de voto da maioria dos condôminos”. As obras ou reparações necessárias independem de deliberação da assembleia (§1ª).
Temos de analisar mais detidamente a questão. As obras voluptuárias ou úteis, como desafiam os quóruns dos condôminos em assembleias, não devem ser realizadas no atual contexto restritivo. A uma, por não serem tão relevantes para o condomínio que não possam esperar momento oportuno. A duas, por requisitarem decisão na assembleia, que na prática da maioria dos condomínios do país só poderia ser realizada presencialmente, o que causaria uma exposição desnecessária dos condôminos em um momento de restrição de contato social.
As obras necessárias, que pela sua própria natureza de evitar que a propriedade se deteriore, devem ser realizadas; contudo, apenas se forem imprescindíveis e inadiáveis, e mesmo assim com algumas cautelas.
Nos casos de obras de manutenção predial em andamento, se os condomínios determinarem a suspensão das obras, adverte-se desde já que as empreiteiras poderão exigir a renegociação dos valores dos contratos por conta da suspensão, notoriamente em razão do aluguel de equipamentos e pelos salários do pessoal paralisado. Até o presente momento, os serviços de manutenção foram considerados pelo Estado do Rio de Janeiro como atividade essencial, argumento que assiste às empreiteiras que não desejam paralisar as obras no atual contexto.
As obras de natureza voluptuária ou útil que já estiverem em andamento deverão ser avaliadas casuisticamente. Importante ponderar o risco de contágio por conta da circulação de pessoas no condomínio, eventual solução de redução do quantitativo operando na obra, bem como os riscos de contágio dos operários na obra, que poderão talvez prejudicar o condomínio em sede de responsabilização trabalhista subsidiária.
Deve-se verificar, com os profissionais de engenharia e arquitetura responsáveis pela execução da obra, os eventuais riscos de prejuízos às obras em execução, diante do atraso no cronograma de trabalho e agenda de pagamento a fornecedores e à mão-de-obra. Não havendo problemas mais graves com o adiamento, esta medida se impõe para preservar não apenas a saúde dos empregados na obra, mas principalmente o sossego dos condôminos neste momento de sensibilidade exacerbada e nervos aflorados.
Conclusão
Em razão do momento de reclusão domiciliar das famílias, o síndico deve adotar as cautelas necessárias para mitigar a circulação de pessoas no condomínio, reduzir os horários de trabalho e adotar medidas que atenuem o barulho. O síndico precisará informar à coletividade dos condôminos sobre a premência para realizar a obra, pedindo a colaboração de todos, de modo a evitar o agravamento do estresse das famílias neste período.
De maneira geral, não há impedimento para a realização de obras nas unidades privativas, nas partes comuns ou nos prédios vizinhos, uma vez que estejam presentes alguns pressupostos já expostos acima. No caso dos condomínios em edificações, as obras realizadas nas partes comuns e dentro das unidades deverão obedecer ao preconizado pela NBR 16.280, devendo o síndico verificar se existem os documentos de responsabilidade técnica de engenheiros ou arquitetos. As obras realizadas devem ser executadas sem prejudicar os demais condôminos nos três “s”: segurança, vedando atos que possam comprometer a solidez da edificação e estabilidade material do prédio; sossego, que é o direito à razoável tranquilidade do indivíduo; e salubridade, que é preservar a saúde física e mental das pessoas. As obras e reformas também devem obedecer ao regramento interno de cada condomínio e aos direitos de vizinhança.
O condômino que realizar a obra estará sujeito, contudo, a obedecer às normas de boa vizinhança, não podendo usar de forma nociva a sua propriedade (CC, art. 1.336, inc. IV), sendo vedado seu uso anormal (art. 1.277). A utilização deve obedecer aos limites ordinários de tolerância dos vizinhos (§único do art. 1.277), que no atual momento encontram-se em patamares deveras reduzidos, por conta dos níveis de estresse, desalento e pessimismo ocasionados pela situação de pandemia do coronavírus e das medidas de restrição.
Coautores: Francisco Machado Egito, advogado, administrador e contador. Graduado em gestão de negócios imobiliários. Especialista em Direito Imobiliário, Direito Notarial e Registral, Controladoria e Finanças e MBA Executivo em Negócios Imobiliários. Delegado da comissão de Direito Imobiliário das comissões da OAB Niterói e Rio. Mestrando em Administração pela UFF. Coordenador e professor da pós graduação em Direito e Gestão condominial. E-mail: francisco.egito@franciscoegito.adv.br
Sérgio Itagiba, advogado, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), Especialista em Direito Imobiliário pela PUC-Rio, Delegado da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/Niterói; Membro da Comissão Especial de Direito Urbanistico e Direito Imobiliário da OAB/RJ; membro do IBRADIM e da ABAMI. e-mail: sergioitagiba@ibamachado.com.br
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