Atividades profissionais e regimento interno do Condomínio
22/06/2020Futuro do síndico do condomínio pós COVID-19
29/06/2020Um dos maiores desafios de um síndico é ter moradores que saibam viver em condomínio, em coletividade. O condomínio dos sonhos de um gestor é formado por uma comunidade que vive em harmonia, e que seja colaborativa, participativa e engajada.
É o lugar onde os condôminos são comprometidos em fazer a sua parte se atentando às regras, à boa convivência, respeitando o próximo e participando de decisões coletivas para construir uma comunidade cada vez melhor para se viver.
Mas como ter esse condomínio quando o elemento fundamental – o morador – não sabe o básico da vida em condomínio? Não conhece as regras? Não sabe se comunicar?
Preparamos um passo a passo que vai auxiliar síndicos a educar moradores para viver em condomínio adotando um conjunto de ações que incluem: estratégias de comunicação, vencer os principais obstáculos do engajamento e ter uma gestão mais colaborativa e produtiva.
Saber viver em condomínio e em coletividade: uma questão social a ser superada
Uma das grandes percepções de síndicos e gestores condominiais está relacionada à falta de conhecimento da vida em condomínio e do senso de coletividade por parte das pessoas que vão morar lá.
Mas isso não é “privilégio” dos condomínios, é dos espaços urbanos em geral, na opinião da síndica Anna Maria Cáfaro, historiadora e empresária.
“De maneira geral, há uma falta de preocupação, participação, colaboração e envolvimento das pessoas com o coletivo. Há uma ausência de pertencimento da rua, do bairro. E o condomínio é uma amostra da nossa sociedade”, afirma Anna Maria Cáfaro, síndica há 10 anos do Condomínio Edifício Michelle, na cidade de São Paulo.
Rafael Lauand, sócio-fundador da administradora de condomínios LAR.app, concorda com ela. “As pessoas que moram em condomínios são as mesmas que estão nas ruas, no metrô. Quando vemos pessoas andando sem máscara na rua e não se importando com a pandemia de COVID-19, isso aparece no condomínio. É uma questão social”, afirma Lauand, engenheiro e professor do Insper.
Quem decide morar em condomínio precisa entender duas coisas fundamentais:
- a vida em condomínio é altamente restritiva, observando a especificidade de cada empreendimento: da estrutura às regras locais (convenção, regulamento interno e decisões nas assembleias)
- o desejo da coletividade é o que prevalece no condomínio
Para ela, quem entende esses dois pilares, não tem problema ao se mudar para um condomínio. E o síndico tem a missão de deixar isso claro para os moradores, com medidas educativas no dia a dia.
“Se a pessoa compreende que é voto vencido em uma decisão de assembleia, não vai ter problema algum em seguir o que foi determinado pela maioria. Porém, se insistir em fazer do seu jeito, será difícil para todos”, declara.
Para haver o espírito da boa vizinhança, circular à vontade e viver bem, é fundamental:
- conhecer e seguir as regras locais
- ter noção de ocupação de espaço de forma consciente
- entender que o individual está submetido ao coletivo
- entender que as ações de uma pessoa afetam direta e indiretamente a vida dos outros
Por isso, aquela velha justificativa de que entrou na unidade, fechou a porta e “entrou em um mundo paralelo” onde o que valem são as próprias regras, não “cola” na vida em condomínio.
A unidade é parte intrínseca de um todo que forma o condomínio: estrutura física e pessoas, regidas pelas regras locais, com direito à saúde, segurança e sossego, conforme explicitado no artigo 1.277 do Código Civil, e outras leis aplicáveis.
Segundo o último censo SíndicoNet realizado em 2018, a maior dificuldade apontada pelos síndicos residentes e síndicos profissionais é fazer com que condôminos respeitem as regras (48,5%).
Em segundo lugar, indicada por 37,2% dos síndicos moradores consultados, é contar com a ajuda de outros moradores.
Educar os condôminos é uma das medidas que síndicos devem adotar para reverter a situação e evitar uma série de problemas, dores de cabeça, conflitos que prejudicam a sua gestão como um todo.
A educação do condômino está ligada à ensinar regras do contexto do condomínio para que este entenda que seguir esse conjunto de regras é sinônimo do comportamento considerado “educado” naquela comunidade.
“Não é só bom senso e razoabilidade, mas envolve também a questão da obediência”, explica a especialista em condomínios-clube.
Quando a pessoa compra a tão sonhada casa própria em um condomínio, ou quando aluga um apartamento, deveria ser entregue a ela uma espécie de guia de como viver em condomínio, junto com o manual do proprietário ou do contrato de locação.
“Precisa explicar para a pessoa que está chegando como o condomínio funciona. É como comprar um carro: o dono ganha um manual para saber usá-lo corretamente”, compara Anna Maria Cáfaro.
O morador que desconhece o “viver em condomínio”, o condomínio em si, as regras e até mesmo os seus direitos, mais cedo ou mais tarde acarretará problemas para o gestor e também para si próprio.
“Há pessoas que não têm noção das regras, instalações, equipamentos, funções dos funcionários e horários etc. Por isso é importante explicar como funciona o condomínio. É como a criança que pode se comportar mal na casa da avó que não tem regras, mas na casa da tia mais rígida, ela se comportar direito”, ilustra a síndica Anna Maria Cáfaro.
Kit “boas-vindas” para os moradores do condomínio
Em sua primeira gestão no Condomínio Edifício Michelle, a síndica Anna Maria Cáfaro notou uma flutuação de moradores e traçou o perfil da sua massa condominial: 60% são inquilinos, sendo 50% rotativos e 10% fixos.
Ela percebeu uma característica predominante nos inquilinos rotativos: são acostumados a morar em casa. Sem a cultura de condomínio, repetiam os mesmos excessos: festas com barulho, churrascos na ‘micro’ varanda sem infraestrutura para exaustão etc.
Daí surgiu a ideia de elaborar um kit “boas-vindas” para distribuir aos moradores. Ela aproveitou a finalização de um retrofit que implicou na criação de regramento para nova áreas comuns e fez a virada de chave.
“O kit de boas-vindas explica de forma positiva e em linguagem acessível as regras e a estrutura do condomínio. Assim não é preciso ficar repetindo as mesmas orientações a toda hora. É um documento público, de conhecimento de todos. Facilita muito para o síndico”, relata Anna Maria Cáfaro.
O kit é entregue formalmente: o morador assina um termo de que recebeu as regras de como funciona o condomínio e como deve se portar. “As pessoas gostam muito e tive um resultado bastante positivo: diminuíram muito os problemas, as festinhas com barulho.”
Síndico e administradora devem se apresentar aos condôminos
Quando assume um novo condomínio, a síndica profissional Taula Armentano grava um vídeo de apresentação aos condôminos, compartilha sua metodologia de trabalho e gestão e explica quais os canais de comunicação podem ser usados para falar com ela.
Para o novo morador de um condomínio sob sua gestão, a exemplo de Anna Cáfaro, Taula encaminha um documento de boas-vindas falando quem é a sindica, meios de comunicação para falar com ela, menciona o regulamento interno e as regras e o direciona para o site da administradora, onde ele vai encontrar todos os documentos e materiais.
Alinhamento de expectativas, comunicação assertiva e redução de atritos
Na opinião de Rafael Lauand, a educação dos condôminos passa necessariamente pelo alinhamento de expectativas entre a gestão e os moradores, em que as regras devem ser enfatizadas. Para isso, a comunicação assertiva é essencial.
“Se todos os condôminos estão sendo bem comunicados, a expectativa está muito mais alinhada, concordem eles ou não. Mas quando eles não foram avisados e são advertidos, podem levar para o lado pessoal e aí surgem os problemas, os atritos. Boa parte dos problemas são evitados com boa comunicação”, afirma Lauand.
O grande problema que causa atrito, segundo Lauand, é a quebra de uma grande expectativa.
Para ele, quando uma pessoa sabe das regras de antemão, por meio de uma comunicação assertiva que vai muito além de um cartaz no elevador, ela já tem conhecimento do que a espera, mesmo que tenha opinião divergente. Se for advertida por infringir uma regra, não há quebra de expectativa.
Quando há uma comunicação eficaz, diz Taula Armentano, que oferece solução e melhoria, há uma sinergia entre síndico e condômino, que é atraído para ser um agente participativo da gestão, um agente de transformação.
“A comunicação eficaz consegue promover mudanças de comportamento, engajamento coletivo dos moradores no dia a dia dos condomínios. O condômino deixa de ser expectador para ser um realizador”, explica a síndica profissional.
Comunicação estratégica: grande aliada na educação dos condôminos
“Trabalho com um calendário de divulgações, comunicações fixas multiplataforma e escolho o meio mais adequado para cada uma”, explica. No caso dela, identifica e usa um canal onde a maioria das pessoas estão conectadas e haja certeza de recebimento, seja e-mail, site ou whatsapp, para fazer bom uso da comunicação direta.
Anna Cáfaro tem um plano de divulgação dos regramentos do condomínio, como os protocolos de segurança e manejo de resíduo, e faz campanhas educativas para a boa convivência.
Além disso, mantém a comunidade avisada quanto aos funcionários (férias, afastamento, novo colaborador etc), eventos sociais e assembleias. Um recurso diferente adotado pela síndica é o flip-chart, com design feito por ela mesma, no hall de entrada do condomínio.
Comunicação assertiva: forma e frequência
Para promover uma comunicação assertiva o síndicos deve estar atento a dois elementos fundamentais: qualidade do conteúdo e forma de comunicar. Não adianta ter o melhor conteúdo técnico, mas não alcançar as pessoas.
Quando se passa muita informação de uma vez só, como assembleias no formato tradicional e aqueles comunicados no elevador com muitas regras, entregues em um nível intelectual elevado, com pouco design dificilmente se alcança o resultado esperado.
“O excesso de informação combinado com o mau momento do condômino não ajudam. Ele pode estar cansado, não vai prestar atenção, não vai entender e disso surge o negacionismo: ele não entende e discorda”, explica Lauand.
Ele defende um tripé para ter uma comunicação assertiva:
- distribuição da informação nos meios escolhidos pelo condômino, como app ou e-mail
- textos enxutos, simples e diretos (tipo um tweet)
- com mais frequência.
“É mais democrático. As pessoas entendem, trazem questionamentos e se sentem ouvidas. Com o tempo, o morador vai se habituando a estar antenado com o condomínio, entende que isso não vai requerer muito tempo de dedicação, mas poucos minutos ela se informa”, explica Lauand.
Perfis de moradores do condomínio
De acordo com experiência das síndicas Anna Cáfaro e Taula Armentano, há quatro perfis de condôminos e moradores de condomínio no que diz respeito à informação:
- Condômino desinformado por opção: é aquele que acaba se encrencando e brigando por desconhecer a posição do condomínio sobre determinado assunto. “Os problemas surgem porque este condômino não está nos canais de comunicação e tem pouco conhecimento de regras. Opta por se alienar, não quer se envolver em debates e acaba perdendo”, resume Taula.
- Condômino infrator: embora bem informado, tem opinião diferente das regras e as descumpre.
- Condômino litigante: sabe tudo, está antenado, mas é “do contra” quando o que prevalece não está alinhado aos seus interesses e vontades. “Este tipo não infringe as regras, mas ingressa com ação judicial, faz politicagem. Quando não é atendido, procura meios judiciais que só atrasam as decisões condominiais, já que é no âmbito condominial que as decisões devem ser tomadas”, explica Taula.
- Condômino participativo: conhece as regras, está nos meios de comunicação, mantém-se bem informado de tudo o que acontece no condomínio e segue as regras.
Condôminos bem informados, bem educados e participativos nas decisões coletivas constroem um condomínio melhor, mais unido, cortês, agradável e seguro de morar – afirma a síndica profissional Taula Armentano.
Exemplos práticos da experiência dela:
- Protocolo de segurança: se os condomínios entendem e seguem as regras, é reduzido em quase 90% as chances de o condomínio sofrer com a ação de oportunistas, de burlar segurança.
- Não deixar o cartão de controle de acesso largado no carro: se o morador entender que se o carro for roubado, esse gesto evita a invasão do condomínio, ele não vai entender como descortesia quando um vizinho fechar o portão “na cara” dele, pois sabe que esta é uma medida de segurança.
- Não levar objetos de vidro para a piscina: quando o condômino entende que se quebrar um objeto de vidro, será necessário interditar a área inteira, prejudicando a todos os moradores pela falta de educação de apenas um, ele pensa antes de infringir a regra.
- Não cadastrar na academia pessoas de fora do condomínio: infringir essa regra prejudica os demais usuários, pois pode lotar de pessoas que não pertencem ao empreendimento.
Comunicação direta com o condômino infrator: da verbal à multa
Taula Armentano explica em uma de suas comunicações aos condôminos a atenção às regras e deixa claro a lei, a convenção e o regulamento interno, decisões nas assembléias, orientação jurídica e administrativa porque há quem insista em não cumprir as regras.
“Quando houver necessidade de enviar uma orientação, advertência ou multa a um condômino infrator, é importante embasar o por quê da medida, citando a regra/lei descumprida e fazê-lo entender onde errou e que não volte a errar mais. É um papel educativo”, orienta a síndica profissional.
Anna Cáfaro observa as infrações e a primeira abordagem é verbal. Quando há recorrência, investiga, coleta provas e, de acordo com regulamento interno do seu condomínio, envia notificação, advertência e só na quarta ocorrência registrada da mesma infração aplica multa. E o infrator tem direito a contestá-la em uma assembleia.
“O síndico não pode deixar passar a infração, tem que agir imediatamente, com discrição e isonomia”, ensina Anna Cáfaro.
Fontes consultadas: Anna Maria Cáfaro (síndica), Rafael Lauand (LAR.app), Taula Armentano (síndica profissional).
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